"Aqui a Dimensão do Entretenimento e do Conhecimento se encontram no mesmo Universo"

Robert A. Heinlein- A Casa Quadrimensional



 A CASA QUADRIMENSIONAL

Os americanos são considerados malucos em todas as partes do mundo.
Normalmente concordam que há certa base para que sejam assim acusados, mas apontam a Califórnia como o local da infecção. Os californianos obstinadamente sustentam que a sua má reputação se baseia exclusivamente nos atos dos habitantes do Condado de Los Angeles. Quando pressionados, os habitantes deste Condado admitirão o delito, mas se darão pressa em explicar:
– É Hollywood. Não é nossa culpa, não pedimos por isto. Hollywood cresceu demais.
E o pessoal de Hollywood simplesmente não se importa, até vangloria-se da sua fama. Se você estiver interessado, levá-lo-ão de automóvel até Laurel Canyon – “onde detemos os casos mais violentos”, explicarão. Os canyonitas – as mulheres de longas pernas bronzeadas e os homens com luvas de couro eternamente ocupados em construir e reconstruir as suas casas cambaleantes e nunca terminadas – consideram com ligeiro desprezo as criaturas obtusas que vivem lá embaixo, em apartamentos, e conservam como um tesouro em seus corações o secreto conhecimento de que eles, somente eles, sabem como viver.
Lookout Mountain é o nome de uma avenida lateral, que segue para cima, partindo de Laurel Canyon. Os canyonitas não gostam que seja mencionada – afinal de contas as pessoas têm o direito de traçar os seus limites em alguma parte!
Bem lá em cima de Lookout Mountain, no número 8775, do outro lado, em frente ao Eremita – o original Eremita de Hollywood – reside Quintus Teal, arquiteto diplomado.
No sul da Califórnia, até mesmo a arquitetura é diferente. Os cachorros-quentes são vendidos em uma lanchonete que não somente tem o nome de “O Filhote”, como o edifício em que funciona é desenhado e construído na forma de um filhote de cachorro. Os sorvetes são vendidos em um gigantesco edifício de estuque e forma de cone de sorvete de creme e os anúncios a neon proclamam “Adquira o hábito da Tigela de Pimenta”, do alto de edifícios que indiscutivelmente se parecem com bojudas tigelas onde a pimenta é servida. Gasolina, óleo e mapas rodoviários gratuitos são distribuídos sob as asas dos aviões trimotores de transporte, enquanto as confortáveis salas de repouso, inspecionadas hora por hora, para o seu conforto, estão localizadas na cabina do próprio avião. Estas coisas podem surpreender ou divertir o turista, mas os que ali residem e caminham de cabeça descoberta sob o famoso sol meridional da Califórnia acham que são perfeitamente naturais.
Quintus Teal considera os esforços dos seus colegas em matéria de arquitetura como carentes de força, desanimados, hesitantes, tímidos.
– O que é uma casa? – perguntou Teal a seu amigo Homer Bailey.
– Bem, falando em termos gerais – admitiu Bailey cautelosamente – sempre considerei uma casa como um abrigo contra a chuva.
– Besteira! Você é tão ruim neste assunto quanto os demais.
– Não quis dizer que a definição era completa...
– Completa! Nem sequer aborda o assunto de maneira correta. Sob tal ponto de vista, poderíamos estar enfiados em cavernas, do mesmo modo. Não o culpo porém – continuou Teal, conciliador – você não é pior do que os estúpidos que encontra por aí metidos a arquitetos. Mesmo os considerados “modernos” – que tudo o que fizeram foi abandonar a escola onde se aprende a fazer bolos de casamento em favor da construção de postos de gasolina – embora tenham abandonado os edifícios em forma de bolo de gengibre e usado aqui e ali um pouco de cromados, no fundo são tão tradicionalistas e conservadores como os edifícios das prefeituras do interior. Neutra! Schindler! O que foi que estes imprestáveis conseguiram? O que foi que Frank Lloyd Wright conseguiu que eu não tenha conseguido?
– Comissões – respondeu o amigo pronta e brevemente.
– O quê? O que foi que você disse? – e Teal atrapalhou-se ligeiramente com o fluxo das palavras, resmungou, mas logo recuperou-se. – Comissões. Está bem. E por que acontece isto comigo? Porque não penso que uma casa seja uma caverna atapetada. Penso que seja um dispositivo onde se possa viver, com um processo vital, uma coisa dinamicamente viva, transformando-se conforme as disposições de espírito do seu habitante – e não como uma coisa morta, estática, como um enorme esquife. Por que devemos ser oprimidos pelos frios conceitos dos nossos ancestrais? Qualquer idiota, com conhecimentos superficiais de geometria descritiva, pode fazer o projeto de uma casa nos moldes comuns. A geometria estática de Euclides compreende por acaso todas as matemáticas? E por acaso estamos completamente desligados da teoria de Picard-Vessiot? Que me diz dos sistemas modulares – sem mencionar as ricas sugestões da estereoquímica? Será que não há lugar na arquitetura para a transformação, a homorfologia e as estruturas adicionais?
– Abençoado seria eu se entendesse – respondeu Bailey. – Mas você deve estar falando da quarta dimensão por tudo o que pude pescar do que você disse.
– E por que não? Porque devemos limitar-nos... Mas escuta aqui! – e Teal interrompeu-se para ficar de olhar perdido no espaço. – Homer, acho que você realmente pescou alguma coisa. Afinal de contas, por que não? Pense na infinita riqueza de conexão e articulação em quatro dimensões. Meu Deus, que casa, mas que casa! – e ficou ali muito parado, com os olhos claros e protuberantes piscando, pensativamente.
– Esqueça o assunto – disse Bailey levantando-se e sacudindo-o pelo braço. – De que diabo está você falando, de quatro dimensões? O tempo é a quarta dimensão – e no tempo você não pode bater pregos.
– Está bem, está bem – disse Teal desvencilhando-se dele. – O tempo é uma quarta dimensão, mas estou pensando em uma quarta dimensão espacial, como altura, largura e espessura. Em economia de materiais quanto à conveniência da disposição do imóvel, ninguém poderia competir. Sem falar na economia de terreno, pois você pode construir uma casa em um terreno normalmente ocupado por uma casa de apenas um quarto. Como uni tesseract...
– O que é um tesseract?
– Você não freqüentou a escola? Uma tessela é um hipercubo, uma figura quadrada com quatro dimensões para ela, como um cubo tem três e um quadrado tem dois. Olhe, vou mostrar-lhe. – Impetuosamente Teal dirigiu-se à cozinha do seu apartamento de lá voltando com uma caixa de palitos que derramou sobre a mesa entre eles colocada, afastando para um lado com um gesto brusco os copos e uma garrafa de gim holandês já quase vazia. – Vou precisar de plasticina. Havia alguma por aqui na semana passada. – Vasculhou na gaveta da mesa em desordem que tomava espaço em um dos cantos da sua sala de jantar e de lá trouxe um naco de argila oleosa usado pelos escultores. – Aqui está ela.
– O que é que você vai fazer?
– Vou mostrar-lhe. – Rapidamente Teal retirou pequenos pedaços de massa dessa argila e lhes deu a forma de pequeninas bolas, do tamanho de ervilhas. Enfiou palitos em quatro destas bolinhas e juntou-as, amassando-as formando um quadrado. – Aí está. Isto um quadrado.
– É óbvio.
– Mais um outro igual a este, mais quatro palitos e vamos formar um cubo. – Os palitos foram então dispostos de maneira a formar uma caixa quadrada, um cubo, com as bolinhas de argila mantendo juntos os cantos. – Agora, faremos um outro cubo exatamente igual a este e os dois formarão os dois lados de um tesseract.
Bailey começou a ajudá-lo a fazer as pequenas bolas para o segundo cubo, mas começou a divertir-se com o toque agradável da argila dócil, passando a trabalhar com ela e a dar-lhe formas.
– Olhe só – disse ele mostrando o produto do seu esforço, uma pequenina figura. – Não parece Gypsy Rose Lee?
– Parece mais Gargântua, ela devia processá-lo por isto. Mas agora, preste atenção. Você abre um dos cantos superiores do primeiro cubo, insere o segundo cubo neste canto e depois fecha-o. Depois toma oito palitos e junta o fundo do primeiro cubo com o fundo do segundo, com a inclinação, e o topo do primeiro com o topo do segundo, da mesma forma. – E isto ele fez, rapidamente, enquanto falava.
– Mas o que se deve supor que isto é? – indagou Bailey, desconfiado.
– Um tesseract, oito cubos formando os lados de um hipercubo em quatro dimensões.
– Isto me parece mais uma cama-de-gato. De qualquer forma você só tem aí dois cubos. Onde estão os outros seis?
– Use da imaginação, homem! Considere o topo do primeiro cubo em relação ao topo do segundo; este é o cubo número três. Depois, os dois fundos quadrados, depois as partes frontais de cada cubo, as partes traseiras, lado direito, lado esquerdo – oito cubos. – E ele apontou-os.
– É, posso vê-los. Mas continuam não sendo cubos; são como é mesmo que se chamam – prismas. Eles não são quadrados, eles se inclinam.
– É devido à maneira como olha para eles, em perspectiva. Se você traça a figura de um cubo, sobre um pedaço de papel, os quadrados dos lados têm de ser inclinados, não têm? Isto é perspectiva. Quando você olha para uma figura de quatro dimensões de modo apenas tridimensional, ela parece torta. Mas de qualquer forma eles são cubos.
– Talvez sejam para você, meu caro, mas para mim eles ainda parecem tortos.
Teal ignorou as objeções e prosseguiu.
– Agora, considere isto como um projeto de uma casa de oito quartos; há um aposento ao rés do. chio – área de serviço, guardados, garagem. Partindo daí ficam seis quartos no próximo andar – sala de estar, de jantar, banheiro, dormitórios e assim por diante. E lá em cima no topo, completamente incluso e com janelas para os quatro lados, fica o seu estúdio. Aí está! Que tal você acha?
– Parece-me que você tem a banheira pendurada para fora do teto da sala de estar. Aqueles aposentos estão entrelaçados como tentáculos.
– Somente em perspectiva, é uma questão de perspectiva. Olhe aqui, vou fazer isto de outro modo para que você possa entender. – Desta vez Teal fez um cubo com palitos e depois fez um segundo com apenas metade dos palitos, colocando-o exatamente no centro do primeiro, ligando os cantos do cubo menor aos do maior com pedaços de palitos. – Agora, o cubo maior é o seu andar térreo, o pequeno cubo dentro dele é o seu estúdio que fica no andar mais alto. Os seis cubos que a ele se juntam são os demais aposentos - Entendeu?
Bailey estudou a figura e balançou a cabeça.
– Continuo a ver apenas dois cubos, um maior e outro menor. Aquelas outras seis coisas agora parecem pirâmides ao invés de prismas, mas continuam não sendo cubos.
– Mas certamente que são, certamente, você os está vendo sob diferentes perspectivas. Não pode ver que é assim?
– Bem, talvez. Mas aquele aposento que fica no centro, ali. Está completamente rodeado por aqueles não-sei-quê. Pensei que você tinha dito que haveria janelas nos quatro lados.
– E tem, elas aparecem à medida que se dá a volta em torno da casa. Aí está o traço característico de uma casa em forma de tesseract, ou seja, fica inteiramente exposta, mas ainda assim cada parede serve a dois quartos; e ainda que sendo uma casa de oito aposentos, exige apenas um deles como o aposento onde se apóiam todos os outros. E simplesmente revolucionária!
– E dizer isto é dizer muito pouco. Mas você está louco, rapaz. Você não pode construir uma casa como esta. Aquele aposento interno está lá dentro e ali fica.
Teal ficou a olhar para o amigo, controlando a sua exasperação.
– São os sujeitos como você que mantêm a arquitetura em estágio primário. Quantos lados quadrados tem um cubo?
– Seis.
– Quantos deles ficam para dentro?
– Ora, nenhum deles. Ficam todos para fora.
– Muito bem. Agora, escute: uma tesseract tem oito lados cúbicos e todos para fora. Agora, observe-me. Vou desdobrar esta tesseract como você pode desdobrar uma caixa cúbica de papelão, até que ela fique lisa. Desta forma você será capaz de ver todos os oito cubos. – Trabalhando rapidamente construiu quatro cubos, colocando-os uns sobre os outros, formando assim uma torre pouco firme. Construiu depois mais quatro cubos, que partiam das quatro faces expostas do segundo cubo da pilha. A estrutura balançou um pouco, mal ajustada como estava pelas bolinhas de argila, mas ficou firme por fim, com os oito cubos formando uma cruz invertida, uma cruz dupla, uma vez que os quatro cubos adicionais projetavam-se para fora, em quatro direções. – Você está vendo agora? A estrutura repousa sobre o aposento ao rés do chão, os outros seis cubos são os aposentos e o seu estúdio fica no topo.
Bailey considerou a armação feita de palitos e deu-lhe maior aprovação do que às anteriores.
– Por fim posso entender a coisa. E você diz que isto também é um tesseract?
– Isto é um tesseract desdobrado em três dimensões. Para juntar tudo, você aperta o cubo do topo sobre o cubo do fundo, dobra aqueles cubos laterais para dentro até que se encontrem com o cubo do topo e aí tem a coisa. Você faz tudo isto dobrando através de uma quarta dimensão, naturalmente; você não destorce quaisquer dos cubos ou dobra-os um dentro do outro.
Bailey estudou a estrutura cambaleante mais uma vez.
– Escute – disse ele por fim – por que você não esquece esta história de dobrar esta coisa através de uma quarta dimensão, o que você não pode fazer, de qualquer forma, e constrói uma casa como esta?
– Por que você pensa que eu não posso? É um problema matemático simples.
– Vamos devagar, homem. Pode ser simples dentro das matemáticas, mas você nunca conseguirá que o seu projeto de construção seja aprovado. Não existe nenhuma quarta dimensão, esqueça isto. Mas este tipo de casa... Deve ter algumas vantagens.
Controlado, Teal estudou o modelo.
– Hum... Talvez você tenha conseguido alguma coisa. Poderíamos ter o mesmo número de aposentos e faríamos economia quanto ao mesmo espaço de terreno. Sim, colocaremos esta forma em cruz central e térrea na direção nordeste, sudeste e assim por diante, de maneira que todos os aposentos receberão a luz do sol durante o dia inteiro. Aquele eixo central serve maravilhosamente para o aquecimento central. A sala de jantar ficará para noroeste, a cozinha a sudeste, com grandes janelas panorâmicas em volta de todos os quartos. – Muito bem, Homer, farei isto! Onde é que você quer que a construa?
– Parado aí, espere um momento! Eu não disse que você iria construí-la para mim!
– Mas é claro que vou. Para quem mais posso fazê-lo? A sua senhora deseja uma casa nova. Ai está ela.
– Mas a sra. Bailey quer uma casa em estilo georgiano.
– Isto é apenas uma idéia que ela tem. As mulheres não sabem o que querem.
– Mas a sra. Bailey sabe.
– É apenas uma idéia que algum arquiteto fora de época lhe pôs na cabeça. Ela guia um carro de 1941, não é mesmo? E usa as roupas mais fora da moda. Mas por que deveria residir em uma casa do século dezoito? Esta casa aqui suplanta até mesmo um modelo de 1941 – pois avança no futuro por muitos anos. Vai dar o que falar em toda a cidade.
– Bem, mas eu vou ter que falar com ela.
– Nada disto. Vamos fazer-lhe uma surpresa. E tome outro drinque.
– De qualquer forma não podemos fazer nada sobre este assunto agora. A sra. Bailey e eu vamos de carro para Bakersfield amanhã. A companhia vai sondar dois poços amanhã. -
– Bobagem. Esta é exatamente a oportunidade de que precisamos. Será uma surpresa para ela quando vocês voltarem. Você me assina um cheque agora mesmo e todos os seus problemas estarão resolvidos.
– Eu não deveria fazer coisa nenhuma deste tipo sem consultá-la. Ela não vai gostar disto.
– Diga-me uma coisa: afinal quem é que manda em sua casa?
Por fim, quando a segunda garrafa já estava quase na metade, o cheque foi assinado.
As coisas são feitas com rapidez, na Califórnia. Casas comuns, normalmente são construídas em um mês. Sob a apaixonada direção de Teal, a casa em tesseract começou a subir vertiginosamente para os céus, o que se podia notar diariamente e não em semanas e o seu segundo andar em forma de cruz elevou-se e salientou-se para os quatro cantos do mundo. De início teve alguns problemas com os inspetores quanto àqueles seus quartos projetados mas, usando fortes vigas e usando dinheiro quando necessário, havia conseguido convencê-los da solidez da sua engenharia.
Conforme haviam combinado previamente, Teal guiou o seu carro até a frente da residência dos Bailey, na manhã do dia seguinte ao seu retorno à cidade, e pressionou a sua buzina musical. A cabeça de Bailey surgiu na porta da frente.
– Por quê não usa a campainha?
– É muito demorado – respondeu Teal alegremente. – Sou um homem de ação. A sra. Bailey está pronta? Ah, aí está a senhora! Seja bem-vinda, seja bem-vinda ao lar! Venha comigo, temos uma surpresa para a senhora!
– Você sabe como é o Teal, minha querida – começou Bailey tateando o terreno, mas a sra. Bailey respirou forte antes de responder.
– Conheço-o, sim, de modo que vamos no nosso carro, Homer.
– Certamente, querida.
– Boa idéia – concordou Teal – pois é mais rápido do que o meu e chegaremos lá mais depressa. Quem guia sou eu porque conheço o caminho – e com isto tirou as chaves das mãos de Bailey, enfiou-se no lugar do motorista e deu partida no motor antes que a sra. Bailey pudesse recobrar-se.
– Nunca se preocupe com a minha maneira de dirigir – informou ele à sra. Bailey, voltando a cabeça para trás enquanto falava e dirigindo o potente carro pela avenida abaixo, virando depois no Sunset Boulevard, a toda velocidade. – É uma questão de potência e controle, um processo dinâmico, muito a meu jeito. Nunca tive um acidente sério.
– Não teve, mas vai conseguir um – disse ela mordazmente. – Por favor, quer manter os olhos no tráfego?
Teal tentou explicar-lhe que uma determinada situação no tráfego não era uma questão de visão mas de integração intuitiva de movimentos, velocidades e probabilidades, porém Bailey interrompeu-o.
– Onde fica a casa, Quintus?
– Casa? – indagou a sra. Bailey, desconfiada. – Que história é esta de casa, Homer? Você planejou alguma coisa sem me dizer?
Teal intrometeu-se da maneira mais diplomática.
– Certamente trata-se de uma casa, sra. Bailey. E que casa! A surpresa que um marido devotado vai fazer-lhe. Espere um pouco até que possa vê-la.
– Esperarei – disse ela sombriamente. – Qual é o estilo da casa?
– Esta casa inaugura um novo estilo. É mais moderna do que a televisão, mais nova do que a próxima semana. Para ser apreciada é preciso ser vista. A propósito – continuou ele impedindo qualquer réplica – vocês sentiram o terremoto da noite passada?
– Terremoto? Mas que terremoto? Homer, houve um terremoto?
– De pouca intensidade – continuou Teal – lá pelas duas da manhã. Se não tivesse acordado, não o teria notado.
– Oh, esta terra horrível! – disse a sra. Bailey estremecendo. – Você ouviu isto, Homer? Podíamos ter morrido em nossos leitos e jamais chegaríamos a saber. Por que me deixei convencer por você para deixar Iowa?
– Mas minha querida – protestou Bailey desanimado – você desejava vir para a Califórnia, você não gostava de Des Moines.
– Não precisávamos estar no meio disto – disse ela firmemente. – Você, como homem, devia prever coisas desta ordem. Terremotos!
– Esta é uma das coisas que não vai precisar temer em sua nova casa, sra. Bailey – disse Teal. – É inteiramente à prova de terremotos, cada uma das suas partes está em perfeito e dinâmico equilíbrio com todas as outras partes.
– Bem, assim espero. Onde fica a casa?
– Logo depois da curva. Agora vem o letreiro. – Um enorme letreiro, do tipo aprovado pelas grandes empresas comerciais, proclamava em letras que eram grandes e brilhantes até mesmo para o sul da Califórnia.

A CASA DO FUTURO!!!
COLOSSAL – ESTUPENDA – REVOLUCIONÁRIA
VERIFIQUE COMO OS SEUS NETOS VIVERÃO!
Q. Teal, Arquiteto
– Naturalmente isto será retirado – acrescentou rapidamente ao notar-lhe a expressão – tão logo vocês entrem de posse do imóvel. – Fez a volta da curva e levou o carro a parar, com os pneus cantando, em frente à Casa do Futuro. – Voíià! – E olhou para ambos os rostos, à procura de uma resposta.
Bailey ficou a olhar sem acreditar propriamente no que via, enquanto a desaprovação da sra. Bailey era patente. O que eles viam era uma simples massa cúbica, com portas e janelas, mas sem qualquer outro traço arquitetônico, excetuando-se talvez o que havia como decoração,ou seja, intrincadas figuras matemáticas.
– Teal – perguntou Bailey vagarosamente – o que foi que você esteve tentando fazer?
Teal deixou de olhar para o rosto dos amigos e voltou-se para a casa. A torre maluca havia desaparecido e com ela o segundo andar em ressalto, com os aposentos. Nenhum traço fora deixado dos sete cômodos que existiam acima do andar térreo. Nada havia ficado, com exceção do único aposento, o único cubo que descansava sobre os alicerces.
– Por todos os demônios do inferno! – gritou ele. – Fui roubado! – E começou a correr em direção à casa.
Aquilo porém não lhe adiantou em coisa alguma: quer fosse contada do princípio ou do fim, a história permanecia a mesma, os outros sete aposentos haviam desaparecido, volatilizaram-se completamente. Bailey conseguiu alcançá-lo e tomou-o pelo braço.
– Explique-se, homem. Que história é esta de ter sido roubado? Como é que você construiu uma coisa destas, que não combina com o nosso acordo?
– Mas eu cumpri o acordo, sim. Construí exatamente o que havíamos planejado construir, uma casa de oito quartos, na forma de um tesseract desdobrado. Sabotagem é o que isto é! Inveja! Os outros arquitetos da cidade não ousaram permitir que terminasse meu trabalho, sabiam que seriam varridos do mapa se eu chegasse ao fim.
– Quando esteve aqui pela última vez?
– Ontem à tarde.
– E tudo estava em ordem?
– Sim, os jardineiros estavam dando os últimos retoques.
Bailey olhou em volta para o gramado impecável, irrepreensível, que se estendia por todos os lados.
– Não posso compreender como é que sete aposentos podiam ter sido desmantelados e levados daqui em uma única noite, sem que danificassem o jardim.
– Não me parece que foi assim – disse Teal olhando em torno também. – Eu não compreendo.
– Ora muito bem! –disse a sra. Bailey juntando-se a eles. – Devo ser deixada sozinha para divertir-me por minha própria conta? De qualquer forma devemos dar uma olhada nisto já que estamos aqui, mas devo avisá-lo, Homer, que não vou gostar da casa.
– Devemos verificar de qualquer forma – concordou Teal, tirando uma chave do bolso e conduzindo-os à porta principal. – Podemos descobrir algumas pistas.
O vestíbulo estava em perfeita ordem e os painéis corrediços que o separavam da garagem estavam abertos, permitindo que vissem todo o compartimento.
– Aqui tudo parece estar em ordem – disse Bailey. – Vamos até o telhado e tentar reconstruir o que aconteceu. Onde está a escada? Será que a roubaram também?
– Oh, não – disse Teal – olhe! – Pressionou um botão abaixo do comutador da luz: um painel desceu do teto e, com ele, um leve e gracioso lanço de escadas baixou sem ruído, Os seus fortes corrimãos, eram feitos de duralumínio prateado e os seus degraus de plástico transparente. Teal torceu-se e contorceu-se como um rapaz que executou com sucesso um truque com o baralho, enquanto a sra. Bailey extasiava-se, visivelmente.
Sem dúvida alguma era uma coisa bonita.
– Muito engenhoso – admitiu Bailey. – Mas de qualquer forma isto não parece levar a gente a parte alguma.
– Oh, sim – disse Teal acompanhando o seu olhar. – O painel se levanta à medida que você se aproxima do topo, fechando-se em se guida. Vãos de escadas são anacronismos. Venha comigo. Conforme ele havia dito, o painel que sustentava a escada fechava-se à medida que eles subiam, permitindo-lhes assim atingir o alto, porém, não do telhado como haviam esperado. Encontraram-se bem no meio de um dos cinco aposentos que constituíam o segundo andar da original estrutura.
Pela primeira vez na vida Teal nada tinha a dizer. E Bailey fazia-lhe eco, tirando uma tragada do seu cigarro. Tudo estava na mais absoluta ordem. Diante deles e separada por portas translúcidas, estava a cozinha, que se poderia chamar de sonho de um cozinheiro-chefe, com todos os minudentes detalhes da engenharia doméstica, tudo em metal, pias e balcões contínuos, luzes dissimuladas, detalhes funcionais. À esquerda ficava a formal, porém ainda assim graciosa e hospitaleira sala de jantar, à espera dos convidados, com a sua mobília perfeitamente disposta.
Antes mesmo de voltar a cabeça, Teal sabia que a sala de visitas e a de descanso seriam encontradas da mesma maneira substancial, existindo da mesma maneira impossível.
– Bem, devo admitir que isto é encantador – disse a sra. Bailey aprovadoramente – e que a cozinha é simplesmente fantástica para descrição em palavras – embora eu jamais pudesse adivinhar, do exterior, que esta casa tivesse tantos quartos cá em cima. Naturalmente algumas mudanças têm de ser feitas. A escrivaninha, por exemplo, se a tirarmos daqui e colocarmos o sofá acolá...
– Basta, Matilda – interrompeu Bailey bruscamente. – Como foi que você fez isto, Teal?
– Ora, Homer Bailey! Toda a idéia...
– Basta, já disse. Muito bem, Teal?
– Tenho receio de dizer – disse o arquiteto. – Vamos lá para cima.
– Mas como?
– Assim – e ele tocou em outro botão: uma réplica, em cores mais profundas, da bela escadaria que os conduzira ao primeiro andar, desceu para oferecer-lhes acesso ao próximo piso. Subiram por ela, a sra. Bailey, a última da fila, vinha fazendo censuras e por fim encontraram-se no dormitório principal. As sombras ali se alongavam como havia acontecido no primeiro andar, mas uma luz suave surgiu automaticamente. Teal imediatamente acionou o botão que controlava outro lanço de escadas e por ele subiram rapidamente a fim de atingir o estúdio, no último andar.
– Escute aqui Teal – sugeriu Bailey quando pôde controlar a respiração novamente – podemos chegar ao telhado acima deste aposento? Porque então poderemos dar uma olhada em torno.
– é claro, lá em cima existe a plataforma de um observatório. – Subiram então o quarto lanço de escadas mas, quando o painel que desceu do teto, acabou de dobrar-se depois que eles atingiram o alto, encontraram-se todos, não na plataforma-observatório, mas, de pé, sobre o piso do andar térreo pelo qual haviam entrado na casa.
– Anjos do céu! – gritou o sr. Bailey, mudando de cor, tornando-se de um cinzento doentio. – Este lugar é mal assombrado! Vamos tratar de sair daqui – e agarrando a mulher pelo braço, atirou-se pela porta da frente, buscando o espaço aberto.
Teal estava demasiado preocupado para se incomodar com a partida do casal. Havia uma resposta para tudo aquilo, uma resposta em que não acreditava. Foi forçado porém a deixar de lado as suas considerações, devido aos gritos roucos que chegavam aos seus ouvidos vindos de alguma parte, acima dele. Fez baixar a escada e apressou-se em chegar ao primeiro andar. Bailey encontrava-se no aposento central, debruçado sobre a sra. Bailey, que havia desmaiado. Dominando a situação, Teal correu para o bar, situado na sala,e de lá trouxe três dedos de “brandy” em uma taça, que estendeu a Bailey.
– Isto a ajudará a recobrar-se. – Mas para seu desagrado, foi Bailey quem bebeu tudo, de um só trago.
– Mas isto era para a sra. Bailey! – disse Teal.
– Deixe de sofismas – retorquiu Bailey. Pegue outra dose! – Teal obedeceu, mas tomou a precaução de servir-se primeiro antes de fornecer uma nova dose, marcada a olho, para a senhora do seu amigo. Quando voltou, ela abria os olhos.
– Tome este drinque, sra. Bailey – disse ele, confortador – isto a ajudará a sentir-se melhor.
– Eu nunca tomo álcool – protestou ela, mas engoliu o que lhe era oferecido.
– Agora, contem-me o que aconteceu – pediu Teal. – Pensei que vocês haviam saído.
– Mas nós saímos realmente! Passamos pela porta da frente e logo nos encontramos aqui em cima, na sala central.
– Mas que inferno! Huumm... Espere um minuto. – Teal passou para a sala de visitas e descobriu que a grande janela panorâmica, no fim do aposento, estava aberta. Olhou cautelosamente para fora. E o que viu não foi a conhecida paisagem da Califórnia, mas o aposento do andar térreo – ou pelo menos uma razoável reprodução dele. Não disse nada, mas voltou-se para atingir a escada que havia deixado abaixada e olhou para baixo. O andar térreo estava ainda em seu lugar. Mas de alguma forma porém; conseguia estar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo e em diferentes níveis.
Voltou para o aposento central e acomodou-se, no lado oposto a Bailey, em profunda e baixa poltrona, lançando um olhar agudo ao amigo, por cima dos seus joelhos ossudos, cruzados abruptamente.
– Homer – disse ele em tom impressivo – você sabe o que  aconteceu?
– Não, não sei, mas se não descubro o que foi agora mesmo, alguma coisa vai acontecer e vai ser algo muito drástico também!
– Homer, tudo isto justifica as minhas teorias. Esta casa e um tesseract real.
– De que é que ele está falando, Homer?
– Espere um momento, Matilda – e voltando-se para o amigo. – Teal, isto é ridículo. Você armou alguma trapaça aqui, que não aceito, deixou a sra Bailey quase morta de medo e me deixou nervoso. Tudo o que quero é sair daqui, pois para mim chega de suas portas como alçapões e suas brincadeiras tolas.
– Pode expor a sua opinião, Homer – interrompeu a sra. Bailey – mas eu não estava amedrontada. É que por um momento achei tudo muito estranho. É meu coração. Todo o pessoal da minha família é muito delicado e sensível. E agora, a respeito desta coisa entrançada, fale sr. Teal. Explique-se.
Teal explicou-lhe, tão bem como pôde, em face das interrupções que sofreu, a sua teoria a respeito da casa.
– Agora, conforme posso constatar, sra. Bailey – concluiu ele – esta casa, embora perfeitamente estável em três dimensões, não é estável em quatro dimensões. Construí uma casa na forma de um tesseract desdobrado mas alguma coisa aconteceu, algum abalo ou algum choque e ela se articulou em sua forma normal, dobrou-se sobre si mesma. – Mas subitamente fez estalar os dedos, no gesto típico de quem chegou a inesperada conclusão. – Oh, compreendi por fim! Foi o terremoto!
– Terremoto?
– Sim, sim, o pequeno abalo que tivemos na noite passada. Sob um ponto de vista quadrimensional, esta casa é como um plano que se balança em seus cantos. Um pequeno empurrão e ela se dobra para cima, ajustando-se em suas juntas naturais em uma estável figura em quatro dimensões.
– Pensei que você se tivesse gabado de que esta casa era perfeitamente segura.
– E é segura... tridimensionalmente.
– Não posso classificar uma casa de segura – comentou Bailey acidamente – quando ela entra em colapso ao mais ligeiro tremor.
– Mas olhe à sua volta, homem! – protestou Teal. – Não houve o menor distúrbio, não se vê um único caco de vidro. O movimento dentro de uma quarta dimensão não pode afetar mais uma figura tridimensional, do que você pode sacudir as letras de uma página impressa. Se você tivesse estado a dormir aqui na noite passada, você nunca teria acordado.
– É exatamente isto o que receio. – E incidentalmente, será que você, como o grande gênio que é, já conseguiu descobrir um meio de sairmos desta armadilha?
– O quê? Oh, sim, você e a sra. Bailey começaram a deixar a casa, mas terminaram vindo parar aqui em cima, não foi? Mas estou certo de que não há nenhuma dificuldade real – se entramos, temos de poder sair. Vou tentar isto. – E antes mesmo de terminar de falar, já descia a escada. Atravessou a porta da frente, deu mais um passo e voltou a encontrar-se olhando para os seus companheiros e por toda a extensão da sala de estar, no segundo piso. – Bem, parece que temos um pequeno problema – admitiu brandamente. – Deve ser uma simples questão técnica, embora... sempre possamos sair pela janela. – Com um gesto brusco abriu a cortina que cobria a larga janela francesa colocada em uma das paredes laterais da sala de estar. Mas parou, subitamente.
– Huumm – resmungou ele. – Isto é interessante, realmente.
– O que é? – indagou Bailey juntando-se a ele.
– Apenas isto. – A janela dava para a sala de jantar, ao invés de apresentar a vista exterior da casa. Bailey deu um passo para trás, para o canto onde a sala de estar e a de jantar juntavam-se ao aposento central, a noventa graus.
– Mas isto não pode ser – protestou ele – aquela janela está talvez a quinze, vinte pés da sala de jantar.
– Mas não num tesseract – corrigiu Teal. – Olhe só – e abriu a janela e deu um passo para fora falando por cima do ombro enquanto agia.
Do ponto de vista dos Bailey, ele simplesmente desapareceu.
O mesmo não aconteceu do seu próprio ponto de vista; precisou de alguns segundos para voltar a respirar normalmente. Só então e com cautela é que desvencilhou-se da roseira na qual quase ficara irrevogavelmente pregado, fazendo uma nota mental para nunca mais encomendar jardins onde plantas com espinhos fossem usadas. Olhou depois em torno.
Estava fora da casa. O bloco maciço do andar térreo elevava-se a seu lado. Aparentemente, ele havia caído do telhado.
Apressou-se, contornando a esquina da casa, passou pela porta principal e subiu correndo a escada.
– Homer! – gritou – Sra. Bailey! Achei um caminho de saída!
– O que lhe aconteceu? – indagou Bailey, parecendo mais irritado do que satisfeito por vê-lo.
– Simplesmente caí. Estive fora da casa. Você pode fazer a mesma coisa, facilmente. É só dar um passo para fora daquelas janelas francesas. Mas tenha cuidado com as roseiras, aliás... temos de construir outra escada.
– Como você entrou de volta?
– Pela porta principal.
– Então sairemos daqui da mesma maneira. Venha, minha querida – e Bailey enfiou o chapéu firmemente na cabeça e marchou solenemente, descendo a escada, levando a esposa pelo braço.
Teal voltou a encará-los no aposento central do primeiro andar.
– Poderia tê-lo avisado que não ia funcionar – anunciou ele. Agora, eis o que devemos fazer. Conforme posso ver a coisa, em uma figura de quatro dimensões, um homem, tridimensional como é, tem duas escolhas a fazer toda vez que cruzar uma linha de juntura como uma parede ou uma soleira. Geralmente ele fará uma volta a noventa graus através da quarta dimensão, só que não sente isto em suas três dimensões. Vejam. – E ele deu um passo para fora da mesma janela da qual havia caído um momento antes. Saiu pela janela e passou a aparecer na sala de jantar, onde ali ficou de pé, ainda a falar.
– Desta vez prestei atenção onde estava indo e cheguei onde pretendi chegar. – Voltou para a sala de visitas. – Da vez anterior, não prestei atenção e me movimentei dentro do espaço normal e por isso caí da casa lá embaixo. Deve ser uma questão de orientação subconsciente.
– Odiaria depender de orientação subconsciente toda vez que saísse para pegar o jornal da manhã.
– Não precisará preocupar-se, vai se tornar uma coisa automática. Agora, para sair desta vez da casa... Sra. Bailey, se ficar de pé aí, de costas para a janela e der um pulo para trás, estou absolutamente certo de que irá aterrissar no jardim.
O rosto da sra. Bailey expressou a opinião que ela tinha de Teal e das suas idéias.
– Homer Bailey – disse ela e seu tom de voz era agudo – você não vai ficar ai parado, escutando ele sugerir tal...
– Mas sra. Bailey – Teal tentou explicar – podemos amarrar-lhe uma corda em volta e fazê-la descer fácil...
– Esqueça, Teal – interrompeu Bailey bruscamente. – Teremos de encontrar um meio melhor do que este. Nem a sra. Bailey nem eu estamos preparados para sair por aí dando pulos.
Pelo menos temporariamente Teal estava embaraçado, fez-se um curto silêncio que Bailey por fim quebrou:
– Você ouviu isto, Teal?
– Ouviu o quê?
– Alguém falando ao longe. Você acredita que possa haver alguém mais na casa a nos pregar peças talvez?
– De jeito nenhum. Eu tenho a única chave.
– Mas estou certa de ter ouvido – confirmou a sra. Bailey – desde que chegamos aqui. Vozes. Homer, não posso agüentar isto por mais tempo. Faça alguma coisa.
– Ora, ora, sra. Bailey - disse Teal tentando confortá-la – não fique aborrecida. Não pode haver ninguém na casa, mas vou explorá-la inteiramente para ter certeza. Homer, você fique aqui com a sra. Bailey e observe os aposentos deste andar. – E Teal passou então da sala de estar para o andar térreo, dali para a cozinha e em seguida para o banheiro. Tal inspeção levou-o de volta à sala de estar por um percurso em linha reta, ou seja, indo diretamente para a frente em toda a extensão percorrida, voltou ao lugar de onde havia saído.
– Ninguém à vista – anunciou ele. – Abri todas as portas e janelas por onde passei – todas exceto esta aqui. – Encaminhou-se para a janela oposta àquela de onde havia caído e correu as cortinas.
Viu então um homem que estava de costas para ele, quatro aposentos adiante. Teal agarrou-se à janela francesa, enfiou a cabeça para fora e gritou.
– Ali vai ele! Pega o ladrão!
O vulto ouviu-o, evidentemente, e fugiu com precipitação. Teal perseguiu-o, com seus membros magros agitando-se em completa atividade, pela sala de visitas, cozinha, sala de jantar, sala de estar, quarto após quarto, mas a despeito de todo o seu imenso esforço não parecia atingir o quarto aposento de onde o perseguido partira.
Verificou então que o intruso pulava desajeitadamente por cima do peitoril de uma janela francesa e que ao fazê-lo deixava cair o chapéu. Quando atingiu o ponto onde a sua presa havia perdido a sua proteção para a cabeça, parou e apanhou o chapéu, satisfeito por ter uma desculpa para parar e controlar a sua respiração ofegante. Voltou então à sala de estar.
– Acho que ele me escapou – admitiu. – De qualquer forma, aqui está o seu chapéu. Talvez possamos identificá-lo.
Bailey tomou-lhe o chapéu, inspecionou-o, depois resfolegou audivelmente para em seguida enfiá-lo na cabeça de Teal. E o chapéu serviu-lhe perfeitamente. Teal, que parecia atoleimado, tirou o chapéu e examinou-o. Na carneira estavam gravadas as iniciais “Q. T.”. Era o seu próprio chapéu.
Vagarosamente a compreensão infiltrou-se no cérebro de Teal.Voltou à janela francesa e ficou a olhar para a série de aposentos que se divisava dali e através dos quais havia perseguido o misterioso estranho. Os seus amigos viram que ele passara a balançar os braços como um guarda de trânsito em um cruzamento.
– O que é que você está fazendo? – perguntou Bailey.
– Venha cá e veja. – Os dois juntaram-se a ele e acompanharam a direção do seu olhar. Em quatro quartos adiante, viram as costas de três vultos, dois homens e uma mulher. O mais alto e mais magro dos homens estava balançando os braços como um idiota.
A sra. Bailey emitiu um terrível grito e desmaiou novamente.
Alguns minutos mais tarde, quando a sra. Bailey já havia sido ressuscitada e se tranqüilizara um pouco, Bailey e Teal fizeram uma reavaliação dos acontecimentos.
– Teal – disse Bailey – não vou perder tempo dizendo que a culpa é sua. As recriminações não nos levarão a nada, tenho certeza de que você não planejou que isto acontecesse, mas suponho que você compreende que estamos em uma séria situação. De que maneira vamos sair daqui? Parece-me agora que vamos ficar aqui até morrer de fome – pois todo aposento conduz a outro aposento.
– Oh, a coisa não é assim tão má. Uma vez eu consegui sair, você sabe.
– Mas você não pode repetir a façanha, você tentou.
– De qualquer forma, não tentamos todos os aposentos. Ainda temos o estúdio.
– Oh, sim, o estúdio. Chegamos até lá quando entramos aqui pela primeira vez e simplesmente não paramos. Por acaso está alimentando a idéia de que devemos sair daqui através das janelas do estúdio?
– Não perca as esperanças. Matematicamente as janelas do estúdio devem dar agora para os quatro lados deste andar. Ainda não abrimos a persiana. Talvez devêssemos dar uma olhada.
– Não faria mal algum. Querida, penso que é melhor você ficar aqui e descansar.
– Ficar sozinha neste lugar horrível? De jeito nenhum! – E a sra. Bailey levantou-se de um salto do sofá onde havia estado a recuperar-se antes mesmo de terminar de falar. Os três, portanto, subiram as escadas.
– Este é o aposento interno, não é Teal? – perguntou Bailey ao passarem pelo dormitório principal e continuaram a subir em direção ao estúdio. – Acho que este era o pequeno cubo no seu diagrama, que ficava no meio do cubo maior e completamente circundado.
– É isto mesmo – concordou Teal. – Bem, agora vamos olhar por aí. Penso que esta janela deve dar para a cozinha. Segurou a tira que fazia levantar a persiana e puxou-a.
A janela não dava para a cozinha. A vertigem, em ondas, se apossou dos três que involuntariamente caíram no chão, agarrando-se desesperadamente ao tapete, tentando não cair.
– Feche isto, feche isto – gemia Bailey.
Dominando em parte um medo primitivo, atávico, Teal penosamente voltou até a janela e conseguiu fazer baixar a persiana. A janela era um precipício, a sua vista dava inteiramente para baixo, de uma terrível altura, e não para fora.
A sra. Bailey havia desmaiado novamente.
Teal saiu à procura de mais “brandy”, enquanto Bailey esfregava os pulsos da sua senhora. Quando ela voltou a si, Teal foi cautelosamente até a janela e levantou a persiana só um pouquinho. De braços cruzados, ficou a estudar a cena. Voltou-se então para Bailey.
– Venha dar uma olhada nisto, Homer. Veja se reconhece a vista.
– Fique longe daquela janela, Homer Bailey!
– Calma, Matilde, terei cuidado. – Bailey juntou-se a Teal e apurou a vista para o que se descortinava lá. embaixo.
– Está vendo ali, mais para cima? Sem dúvida alguma é o Chrysler Building. E ali está o East River e Brooklyn. – Ficaram ali olhando fixa e diretamente para baixo, para a face perpendicular de um edifício enormemente alto. A mais de mil pés adiante, uma cidade de brinquedo, mas inteiramente ativa, espalhava-se diante deles. – Tanto quanto posso imaginar estamos olhando, de muito alto, para um lado do Empire State Building, da posição em que nos encontramos aqui em nossa torre.
– Mas o que é isto? Uma miragem?
– Acho que não, pois está demasiadamente perfeito. Acho que o espaço se dobrou através da quarta dimensão e que estamos olhando para além e acima da dobra.
– Você quer dizer que na realidade não estamos vendo isto?
– Não, estamos realmente vendo. Não sei o que aconteceria se saíssemos por esta janela mas, pelo menos uma vez, não desejo fazer a tentativa. Mas que vista, rapaz! Que vista! Vamos tentar as outras janelas.
Aproximaram-se da janela seguinte com mais cuidado e foi bom que assim procedessem porque o que se divisava daquela janela era ainda mais desconcertante, ainda mais capaz de abalar a razão do que aquela de ficar olhando para baixo, acima da enorme altura de um arranha-céu. Tratava-se de uma paisagem marinha – mar aberto e céu azul – só que o oceano estava onde o céu deveria estar e vice-versa. Desta vez, como estavam de algum modo preparados para o que poderiam ver, começaram a sentir apenas náusea ao verificarem que acima deles rolavam as ondas. Baixaram a persiana rapidamente para que a sra. Bailey não voltasse a se sentir mal se visse aquilo. Teal ficou a olhar para a terceira janela.
– Gostaria de tentar esta, Homer?
– Hum, bem, não ficaríamos satisfeitos se não tentássemos. Mas tenha cuidado. – Teal levantou a persiana apenas por algumas polegadas. Como nada viu, levantou mais um pouco – e ainda, nada. Vagarosamente levantou toda a persiana, até que a janela ficou inteiramente exposta. E ali ficaram eles a olhar para coisa nenhuma.
Nada, absolutamente nada.. Qual é a cor de nada? Não seja estúpido! Que forma tem? Forma é atributo de alguma coisa. Mas não havia nem profundidade nem forma. Nem se podia dizer que era completa escuridão. Era apenas... nada.
Bailey tragou profundamente a fumaça do seu cigarro.
– Teal, e para isto agora qual é a sua explicação?
A despreocupação de Teal foi abalada pela primeira vez.
– Não sei, Homer, simplesmente não sei – mas penso que esta janela deve ser inteiramente obliterada. – Por um instante ficou a olhar para a persiana que baixara. – Penso que talvez tivéssemos visto um lugar onde o espaço não existe. Viramos o olhar em uma esquina quadrimensional e lá não existia nada. – Esfregou os olhos. – Estou com dor de cabeça.
Esperaram algum tempo antes de tocar na quarta janela. Como se fora uma carta não aberta, ela não devia conter más notícias. Na dúvida, havia esperança. Finalmente a ânsia tomou-se insuportável e o próprio Bailey levantou a persiana, a despeito dos protestos de sua mulher.
Não era assim tão mau. Uma paisagem desenrolava.se na frente deles e num plano tal que o estúdio lhes dava agora a sensação de ser um andar térreo. Aquela paisagem porém era francamente hostil.
Um sol quente, demasiado quente na realidade, brilhava num céu de um amarelo pálido. O terreno era uma planície, que parecia queimada e estéril, manchada irregularmente de tons castanhos como se ali não houvesse nenhuma vida. Mas a vida existia, sim, na forma de árvores atrofiadas, que levantavam para o céu braços torcidos e nodosos. Pequenas moitas de folhas pontiagudas cresciam ao lado dessas árvores deformadas.
– Deus do céu – murmurou Bailey – o que é isto?
– Está acima do que posso entender – disse Teal balançando a cabeça, a expressão do olhar demonstrando espanto.
– Não se parece com nada aqui da Terra. Parece mais uma paisagem de outro planeta, de Marte, talvez.
– Não saberia dizer. Mas quer saber mesmo de uma coisa, Homer, podia ser pior do que isto, pior do que outro planeta, quero dizer.
– O quê? O que foi que você disse?
– Pode ser algo inteiramente fora do nosso espaço. Não estou certo de que este seja o nosso Sol. Parece-me demasiado brilhante.
Com alguma timidez a sra. Bailey juntara-se a eles e agora olhava espantada para a cena lá fora.
– Homer – disse ela em voz soturna – aquelas árvores horríveis... Elas me amedrontam. – Bailey confortou-a, segurando.a pela mão, enquanto Teal começou a mexer com o vidro da janela.
– O que você está fazendo? – inquiriu Bailey -
– Pensei que se enfiar a cabeça pela janela e der uma olhada em torno, poderei dizer algo mais.
– Está bem – rosnou Bailey – mas tenha cuidado.
– Certamente que terei – e ele abriu um pouco o vidro, pôs a cabeça para fora e. cheirou o ar, pesquisando. – Pelo menos o ar é perfeito – e abriu a janela inteiramente.
Antes que pudesse levar avante o seu plano, a sua atenção foi desviada. Um tremor alarmante, como o primeiro sintoma de uma náusea, fez estremecer todo o edifício por um longo segundo e depois se foi.
– Terremoto! – disseram os três ao mesmo tempo e a sra. Bailey lançou os braços em volta do pescoço do marido.
Teal engoliu em seco e, tratando de recobrar-se, disse:
– Tudo está bem, sra. Bailey. Esta casa é perfeitamente segura. A senhora sabe que se deve esperar tremores subseqüentes depois do ocorrido na noite passada. – Havia exatamente recomposto a sua fisionomia numa expressão de segurança convincente, quando sobreveio o segundo tremor. E desta vez não foi apenas uma vibração de intensidade média, mas sim um tremor convulso.
Em todos os californianos, nativos da terra ou simplesmente ali radicados, existe um profundo e primitivo reflexo. Um terremoto enche-os de uma claustrofobia que lhes sacode a alma e os impele cegamente para foral Escoteiros exemplares puxarão avós septuagenárias, forçando-as a obedecer. Portanto, pode-se registrar que Teal e Bailey aterrissaram sobre a sra. Bailey – o que prova que ela foi a primeira a atirar-se pela janela. A ordem de precedência não pode ser atribuída ao cavalheirismo: deve-se pressupor que ela estava em posição de atirar-se mais prontamente que os seus companheiros.
Ficaram ali os três, muito juntos, readquirindo forças e coragem e a limpar a areia dos seus rostos. A primeira sensação que todos tiveram foi de alívio, ao sentirem o terreno arenoso, porém sólido, do deserto, sob eles. Foi então que Bailey notou alguma coisa que os levou a levantarem-se de um ímpeto e impediu a sra. Bailey de lançar-se ao discurso que estava prestes a proferir.
– Onde está a casa?
Havia desaparecido e dela não havia o menor sinal. Estavam exatamente no centro daquela desolação plana, a paisagem que haviam descortinado da janela. Entretanto, além das árvores de galhos revirados, torcidos, não havia mais nada à vista além do céu amarelado e do sol acima de suas cabeças cuja incandescência de fornalha já se tornava quase que insuportável. Bailey olhou vagarosamente à sua volta e voltou-se então para o arquiteto.
– E então, Teal? – e na sua voz havia algo de agourento.
– Gostaria de saber – respondeu ele dando de ombros – gostaria inclusive de estar certo de que estamos sobre a Terra.
– Bem, não podemos ficar aqui. É morte certa se ficarmos. Que direção tomamos?
– Qualquer uma, suponho. Preparemo-nos para suportar o sol.
Já haviam marchado por uma distância indeterminada, quando a sra. Bailey pediu para descansar. Pararam então e Teal murmurou para Bailey, falando baixo e ao seu lado.
– Alguma idéia?
– Não... nenhuma. Espere, você escuta alguma coisa?
– Talvez – disse Teal procurando escutar – a menos que seja imaginação. – Parece ser o ruído de um automóvel. E é um automóvel!
Conseguiram achar a estrada, que ficava a menos de cem jardas. O automóvel, quando chegou, era um caminhão do tipo antigo, de grandes e protuberantes faróis, guiado por um fazendeiro. Freou ruidosamente ao lado deles.
– Estamos encalhados e perdidos. Pode ajudar-nos?
– Claro. Entrem e amontoem-se aí.
– Para onde se dirige?
– Los Angeles.
– Los Angeles? Escute, mas que lugar é este aqui?
– Ora, vocês estão bem no meio da Joshua-Tree Nationai Forest.
A volta foi tão desanimadora quanto a Retirada de Moscou. O sr. e a sra. Bailey sentaram-se na frente, ao lado do motorista, enquanto Teal chacoalhava-se na carroceria do caminhão e tentava proteger a cabeça contra o sol. Bailey subvencionou a ida do fazendeiro amigo até a casa em forma de tesseract, não porque desejasse voltar a vê-la, mas para que pudesse apanhar o seu próprio carro.
Por fim, o fazendeiro fez a volta na esquina do caminho que os levaria de volta ao local onde haviam estado. À casa, porém, já não estava mais lá. Nem sequer o andar térreo fora deixado. A casa simplesmente desaparecera. A despeito do que haviam passado, os Bailey interessaram-se e passaram a esquadrinhar os alicerces em companhia de Teal.
– Tem alguma explicação para isto agora, Teal? – perguntou Bailey.
– Deve ter acontecido devido ao último tremor de terra. A casa simplesmente caiu, dobrou-se através de uma outra secção do espaço. Posso ver agora que devia tê-la ancorado inteiramente nos alicerces.
– E isto não era tudo o que você devia ter feito.
– Bem, não vejo coisa alguma pela qual devemos nos lastimar. A casa estava no seguro, muito aprendemos e nos maravilhamos um bocado. Existem possibilidades, homem, e que possibilidades! Olhe aqui, exatamente agora acabo de ter uma grande, nova, revolucionária idéia para uma casa...
Mas ainda bem que Teal se abaixou com toda a rapidez. Afinal, ele sempre foi um homem de ação.